terça-feira, 3 de janeiro de 2017

Prosopopeia:Pergunta Nua

*Edson Amaro
Como sabem todos,
No ano da Graça de Nosso Senhor Jesus Cristo de 2013,
Terceiro ano do governo de Dilma,
Quinto ano do mandato de Obama,
Resultado de imagem para retrospectivaTerceiro de Pepe Mujica,
A Polícia Federal encontrou,
No dia 24 de novembro,
Numa fazenda de propriedade do senador José Perrella,
Num helicóptero de propriedade da Limeira Agropecuária,
Empresa do filho do senador,
O deputado estadual Gustavo Perrella,
Um helicóptero com 450 k de cocaína.
Como disseram os jornais,
A Fazenda era dos Perrella,
O helicóptero era dos Perrella,
O piloto era funcionário lotado no gabinete de Gustavo,
Mas ninguém até hoje descobriu
A quem pertencia a ilícita carga.

Um dos silenciosos policiais
Não conseguiu conter um espirro e um peido simultâneos,
E pelo orifício de onde saiu o constrangido peido
Saiu uma pergunta que a boca reprimia:
“A quem pertence o pó achado na fazenda dos Perrellas na aeronave nos Perrellas?”

A Pergunta nasceu nua
Como nascemos todos nós
E nua ergueu-se entre os jornalistas
Que fotografavam a operação
Mas, pudibundos, eles desviaram as câmeras –
Preferiram castamente guardá-las para quando uma atriz fizesse topless.

A Pergunta, atrevida,
Dançou a Macarena ao ar livre –
Dançou daquela maneira nietzschiana,
Que é quando dançamos e os outros não ouvem a música –
Mas os bem pensantes profissionais
Da segurança e da imprensa
Fingiam não ver a louca.

A Pergunta abriu suas grandes asas
– Sim, as perguntas nascem aladas ou você não sabia? –
E ganhou os céus capixabas.
Logo esticava-se nas areias de Ipanema
E no dia seguinte transitava na Capital Federal
Entre os engravatados parlamentares,
Mais nua que o rei da história infantil
Mas os parlamentares não queriam quebrar o decoro e apalpar as nádegas da Pergunta.

A Pergunta foi às redações dos jornais,
Às delegacias,
Aos tribunais,
Exibindo-se, despudorada.
Gritava aos quatro ventos que estava sempre fértil
E em seu perpétuo cio buscava homem ou mulher que a fecundasse
Para que finalmente pudesse parir a resposta.
Mas todos fingiam ignorá-la.

Tal como o profeta Isaías andou nu por três anos,
Assim mostrou-se nua a Pergunta despudorada,
E, ao fim desse tempo,
Arrastou sua irritante virgindade para dentro de uma igreja
E, na ponta dos pés,
Roubou um rosário
E, frustrada, encaminhou-se para um cemitério carioca
E foi rezar pelo eterno descanso de um adolescente do Morro do Borel,
Morto pela polícia em 30 de junho de 2016,
Porque o saquinho de pipocas que carregava
Foi confundido com um embrulho de drogas.
(03-01-2017)

Edson Amaro de Souza publicou pela editora Fragmentos seu primeiro livro de poesia, “Ouro Preto e Outras Viagens”, e publicou em versão e-book, no site Amazon, sua tradução de “Discursos Sobre a Primeira Década de Tito Lívio”, de Maquiavel.


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