*Pedro SouzaQuando eu era pequeno, nos já distantes tempos da minha infância – bem mais distantes do que eu gostaria de admitir – eu lembro de pensar que muitas das brincadeiras me pareciam um treinamento para algum aspecto da vida. Eu via meninos brincando de carrinhos e meninas brincando de casinha e prontamente fazia o juízo machista, ainda que de forma inocente. Outras eram vistas como simples passatempos, já que nem sempre eu conseguia fazer uma associação direta ou indireta ao meu cotidiano. Um exemplo muito claro disso eram as brincadeiras de correr. Ora, no mundo tranquilo de uma criança a correria nada mais passa que diversão! Esse ritmo de vida frenético que vivemos é coisa de adulto, sim? Pois é, pra mim qualquer coisa que exigia pressa era só uma regra de um passatempo qualquer. A dança das cadeiras, por exemplo, pra mim era apenas um jogo. Bem, se naquela época eu tivesse visto o que vejo hoje dentro dos transportes públicos, provavelmente saberia que pegar o ônibus ou o trem (e principalmente o trem) nada mais é do que a dança das cadeira dos adultos.
Tudo bem, talvez pareça um pouco antiquada a comparação se analisar ambas as coisas de forma teórica, mas na prática é exatamente essa a sensação que tenho ao ver pessoas adultas quase se digladiarem por uma daquelas poltronas duras e feias dos transportes públicos aqui no Rio de Janeiro. Sim, estou certo de que voltar para casa sentado depois de um longo e árduo dia de trabalho é muito mais cômodo que encarar o longo trajeto que muitas vezes ainda está engarrafado, entendo este anseio pelo banco (e compartilho dele, também sou brasileiro trabalhador e também encaro o minhocão de metal durante a minha semana de trabalho.). O problema todo começa quando a necessidade individual fala mais alto que o bom senso no que se diz respeito ao pensamento coletivo. Ainda outro dia presenciei um caso onde as pessoas se empurravam para entrar nos vagões do trem na estação de Nova Iguaçu, onde moro, e esse empurra-empurra para embarcar e pegar um dos poucos assentos livres do vagão fez com que uma senhora tropeçasse no vão entre o trem e a plataforma. Algumas pessoas no vagão tiveram que segura-la para que ela não desse de cara com um dos ferros. Tudo não passou de um susto, mas um susto que poderia ser evitado com o exercício da educação e respeito, uma coisa cada vez mais rara de se encontrar por aí.
Outro problema que vejo com frequência é o desrespeito com as pessoas de mais idade quanto ao assento preferencial. Eu já cansei de ver muito marmanjo fingindo de dorminhoco para não ceder o lugar aos idosos mais enérgicos e, como não há fiscalização, é preciso que outra pessoa que esteja sentada em uma poltrona comum se sensibilize e ceda o lugar ao pobre velhinho – e quase sempre essa pessoa sou eu.
Algumas pessoas se valem do argumento que o assento é “PREFERENCIAL” e não “OBRIGATÓRIO”, sublinhando com bastante intensidade o que defendem ser uma coisa diferente. Esse é o argumento mais absurdo que já ouvi, afinal quantas vezes foi permitido entrar na fila preferencial do banco sem atender às características preferenciais na presença de alguém que legitimamente deve ter o atendimento priorizado? Outro absurdo que ouço sempre é que como eles possuem passe, podem esperar para pegar um ônibus mais vazio e que aqueles que pagam pelo transporte que já é de péssima qualidade, pagam muito caro para ainda precisar ir de pé. Acredite-me: Já ouvi isso mais de uma vez.
Não obstante, todos aqueles que tiveram o lugar solicitado, seja pelos idosos ou por outra pessoa que se compadeceu com o idoso em pé, não reclamou de ter de levantar e, neste caso, sempre cederam cordialmente o assento, sem reclamações. Isso acontece porque mesmo aquele que está sentado, desde aqueles que não percebem até o que finge não ver, sabe o que é o certo a se fazer e nota-se aí um ponto muito importante: Apesar da consciência plena do que é certo visto por uma perspectiva de cidadania, muitas vezes o individualismo se sobrepõe à cidadania e isso, infelizmente, é uma questão cultural.
Entretanto, não aceitemos o histórico como justificativa pronta para aquilo que está errado. Gentileza gera gentileza e isso é muito mais sério – e saudável – que simplesmente uma campanha publicitária. Eu sou da época do “muito obrigado” e do “por favor” e até hoje, no meio da dança das cadeiras, me pergunto o que há de tão solene naqueles bancos duros e desconfortáveis – mas ainda assim caros – do busão e dos vagões da Supervia que nos valha prestar tal papel.
*Pedro Souza é ator,roteirista e escritor
quarta-feira, 3 de julho de 2013
Dança das cadeiras,sangue,suor e desrespeito
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