*Edson Amaro
Pirro foi um rei que, por duas vezes, conseguiu derrotar o exército romano: uma vez Batalha de Heracleia, em 280 a. C. e um ano depois na Batalha de Ásculo. As vitórias custaram-lhe grande parte de seu exército e, consequentemente, enfraqueceram seu poder. Usa-se essa expressão quando se fala de vitórias que não valeram a pena.
A vitória de Dilma contra Aécio foi
certamente uma vitória de Pirro. Se Aécio tivesse vencido o pleito de 2014, o
PT estaria tranquilamente na oposição jogando pedras nos tucanos, como tão bem
fazia nos tempos de FHC. Assumindo o segundo mandato, Dilma virou saco de
pancadas, espantalho sobre quem se jogava a culpa de tudo.
Veio o impeachment e os petistas
voltaram a recitar o seu velho credo: a imprensa golpista conspira contra eles.
Engraçado que a Globo, a quem eles com tanto gosto satanizam, teve a concessão
renovada por Lula, apesar de todas as irregularidades que acompanham essa
emissora desde a fundação. Até sugiro a quem lê este blog procurar o livro “Cartas”,
de Carlos Lacerda, uma obra que a editora Bem-Te-Vi publicou em 2014 para
celebrar os 100 anos de nascimento do jornalista, tradutor e ex-governador do
Rio. Em carta de 25 de maio de 1965, Carlos Lacerda, articulador do golpe
militar, disse ao presidente ilegítimo Castelo Branco, seu companheiro de
sem-vergonhice: “Em nome do seu planejamento, a Constituição está sendo violada
para proteger os interesses de grupos como o do sr. Roberto Marinho, associado
a interesses do rádio e televisão norte-americanos no Brasil, em frontal
violação das leis e do Código de Telecomunicações. Ninguém me há de por a pecha
de antiamericano, como antes a de americanófilo. Não se trata ser pró ou contra
terceiros, e sim de exigir o cumprimento da lei, que não permite tais
associações, menos ainda por via oblíqua e por meio de subterfúgios. Tais
favores se pagam em insultos e intrigas contra mim e lisonjas aos que passam a
mão pela cabeça desses instrumentos de manobras escusas.” (LACERDA, Carlos.
Cartas. 1933 – 1976. Rio de Janeiro: Bem-Te-Vi, 2014, pág. 258) Se até o
golpista Carlos Lacerda dá testemunho de que a Globo já nasceu ilegal; se o
filme mais pirateado de todos os tempos no Brasil, o documentário britânico
“Além do Cidadão Kane” mostra os abusos da Globo, se de vez em quando a Record
de Edir Macedo joga lama no ventilador sobre os atos escusos da família
Marinho, por que Lula renovou a concessão da Globo? Por que permitiu que a
Petrobras doasse dinheiro para o programa “Criança Esperança”? Por que não
cobra os rios de dinheiro que a militância petista acusa a Globo de sonegar? Se
a Globo é tão ruim como os petistas dizem e Lula e Dilma nada fizeram para
cortar seus tentáculos, nem sequer traduziram para o Português a lei com que
Cristina Kirchner combateu os oligopólios das comunicações (que, por sua vez, é
uma cópia da regulamentação americana – ou seja, nada bolivariana), por que
choram tanto? Aliás, entre os que insuflam o ódio da população contra o PT está
o estelionatário Silas Malafaia (que outro nome merece quem promete casa
própria a quem lhe der o equivalente a um mês de aluguel). Por que Dilma não
cassou as concessões das emissoras que alugam tempo de TV para esse vendilhão
do templo ao invés de promoverem a cultura nacional, a informação e os valores éticos,
como manda o artigo 221 da Constituição Federal? O medo de enfrentar as
oligarquias e o obscurantismo custou ao PT a presidência da República.
O PT há muito deixou de ser um
partido de esquerda e combativo, que agregava em torno de si as reivindicações
de minorias e dos movimentos sócias. Como exemplo disso, cito a biografia de
Dilma Rousseff escrita por Ricardo Batista do Amaral. A obra chama-se “A vida
quer é coragem – A trajetória de Dilma Rousseff, a primeira presidenta do
Brasil”, é publicada pela editora
Sextante, com o selo “Primeira Pessoa”. Na página 268, fica clara a necessidade
de se legalizar o aborto no Brasil, bandeira histórica das feministas, medida
já realizada por todos os países desenvolvidos, mas na campanha pouco faltou
para que Dilma jurasse pela hóstia consagrada ser contra sua legalização. Da
mesma maneira, qualquer membro da família real britânica demonstra mais coragem
que a ex-guerrilheira ao defender os direitos civis dos LGBTs. (Após o atentado
de Orlando, nos EUA, o príncipe William, no outro continente, disse palavras de
encorajamento aos gays que não caberiam em lábios petistas.) E embora tire foto
com a turma do MST, Dilma entregou o ministério da Agricultura a Katia Abreu, a
quem o Greenpeace e o mesmo MST chamam de “Miss Motosserra”, inimiga número 1
dos povos indígenas e da agricultura familiar.
Não para aí a incoerência do PT:
embora chame Michel Temer de golpista, o PT busca manter as alianças com o PMDB
para as disputas eleitorais deste ano. É mais ou menos como se os tupinambás
escrevessem uma carta ao governo português suplicando: “Voltem aqui para nos
colonizar novamente, que foi pouco”. O PT se tornou dependente da burocracia.
Há muito abandonou as trincheiras das lutas.
E, com a saída de Dilma (não antes
de sancionar uma lei antiterrorismo ideal para colocar na cadeia militantes de
todos os movimentos sociais e dificultar o acesso ao seguro desemprego e às
pensões das viúvas), assumiu um pretenso “governo de salvação nacional”, que,
de tão ruim, tem o apoio de Eduardo Cunha, Marco Feliciano, Alexandre Frota e outras
figuras de caráter questionável. O simples fato de Frota ser recebido pelo
ministro da Educação já prova que o atraso é o principal interesse do governo
golpista.
Apesar de tudo, o impeachment foi a
melhor coisa que aconteceu ao PT. Agora não há mais a Geni Rousseff servindo de
alvo às pedras dos alucinados que veem comunismo até onde não há e diziam que
qualquer um seria melhor que Dilma. O “governo de salvação nacional” é incapaz
de fazer brotar do chão leite e mel e não há nenhuma terra prometida no
horizonte para a qual conduzir a nação.
Dizer “Fora Temer” é fácil, mas quem
tem disposição para dizer “Volta Dilma”? Mas ao menos o PT pode assistir
tranquilamente o naufrágio da República conduzida por outras mãos.
Talvez
assim o povo aprenda que não se deve acreditar em pretensos salvadores.
Edson Amaro é poeta.
Publicou pela editora Fragmentos o livro “Ouro Preto e Outras Viagens”.
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